Dra. Ana Carolina fala sobre anemia nos idosos e mieloma múltiplo

Dra. Ana Carolina fala sobre anemia nos idosos e mieloma múltiplo

A hematologista Ana Carolina Mourão Toreli, do Hemacore - Centro de Hematologia, falou ao Programa Abre Aspas, da Rádio Canção Nova, sobre as principais doenças do sangue que afetam os idosos, entre elas a anemia e o mieloma múltiplo. Leia a entrevista completa: 

O que faz o hematologista?

A hematologia é uma especialidade bem ampla. O hematologista cuida de doenças do sangue no geral. Anemias, problemas de plaquetas baixas, alguns tipos de câncer, doenças que levam a sangramentos, trombose, tudo isso faz parte da hematologia. É no sangue que vemos as anemias, onde está a produção das nossas células de defesa, que nos protegem de infecções, que evitam sangramentos.

Quais são as doenças do sangue mais comuns na população em geral?

Uma das doenças mais comuns da hematologia, que chega não só para o hematologista, mas também para outros especialistas, é a anemia. É comum em todas as faixas etárias, desde o bebezinho, adolescentes, gestantes e muito comum também, mas não normal, ao envelhecer.

Quando pensamos no público idoso, a anemia ainda é uma das principais doenças do sangue?

É uma das principais. Na verdade, é o primeiro sintoma, é o primeiro diagnóstico, mas que pode abrir o leque de outras coisas para investigarmos. Muitas vezes o paciente chega até nós com uma anemia e o nosso papel, além de tratar, é investigar a causa. A anemia sempre chama a atenção para a investigarmos alguma coisa que esteja acontecendo, seja um sangramento, um consumo inadequado na dieta, mas sempre chama a atenção para buscarmos algo mais profundo.

Qual é o tipo de anemia mais comum?

A principal causa de anemia no mundo ainda é por falta de ferro, que é chamada ferropriva. O ferro é essencial para produzirmos o sangue. Uma vez que não temos ferro suficiente, não produzimos adequadamente e aparece a anemia. E como vamos descobrir? Começam a aparecer os sintomas. A pessoa começa a ficar mais pálida, mais cansada, desanimada, pode ter queda de cabelo, unhas fracas e isso começa a chamar a atenção. A causa mais comum disso é a falta de ferro, mas nós também temos diversas outras doenças e causas para uma anemia. E aí a importância de passar no hematologista para investigar. Repor o ferro é uma parte do tratamento, mas também é importante irmos em busca da causa.

Existem então diversos tipos de anemia?

Sim. A anemia por falta de nutrientes, por falta de ferro, é uma das mais comuns, mas nós temos anemias por destruição do sangue, que são mais raras, anemias relacionadas a outras doenças de base, como em um paciente que tem uma insuficiência cardíaca, um problema do coração, alguma infecção grave, é comum o corpo apresentar anemia em conjunto. Também temos as doenças da medula óssea como mieloma, leucemias e linfomas. Em todas essas doenças, a anemia pode aparecer. Por isso, a importância de sabermos diferenciar bem a causa dessa anemia para dar o tratamento adequado. É muito comum o paciente ficar anos recebendo ferro, sendo que há anemias genéticas e a família toda pode ter essa anemia. Neste caso, o ferro não está indicado. É importante ir a fundo em cada caso e saber diferenciar.

Muitas vezes, os sintomas da anemia acabam passando despercebidos no idoso?

Antes até havia a suspeita de que com o envelhecimento era comum e esperado ter um grau leve de anemia e hoje em dia a gente sabe que não é isso. Toda vez que temos anemia, tem uma causa de base para investigar. Pode ser um problema de rim que cursa com anemia. Isso é cada vez mais comum conforme o aumento da idade. Então, a função adequada do rim é essencial para a produção do sangue. Uma vez que o rim vai perdendo a sua função, acontece a anemia e a gente tem tratamento específico para isso, que não é o ferro no caso. Por isso, a importância de diferenciar. Temos diversas patologias e cada uma tem um tratamento. É importante procurar o hematologista porque é comum, mas não é normal. Temos que buscar a causa de base dessa anemia e tratar. Se o problema for no rim, cabe ao hematologista, em conjunto com outro especialista, fazer um tratamento para esse rim e então ter uma resposta em termos de anemia. E a gente vê na prática a melhora do paciente. Portanto, se você notou que teve alteração na sua capacidade, já não está tão animado, que teve esses sintomas que já falamos, procure atendimento porque é possível fazer uma avaliação, um diagnóstico e melhorar a qualidade de vida, os sintomas.

Nunca imaginei que anemia tivesse relação com os rins...

O rim tem a questão da produção de um hormônio chamado eritropoietina e isso vai estimular a produção do sangue. Uma vez que esse rim falha, temos déficit na produção. E temos como tratar, temos como repor, temos como ajudar. Não podemos ficar na expectativa que isso é normal e não tem solução. É muito importante fazer a avaliação e buscar o diagnóstico diferencial. Não ficar achando só que toda anemia é por falta de ferro, e ainda que seja por falta de ferro, a gente tem que ir em busca da falta de ferro. Uma coisa muito importante é que conforme vamos ficando mais velhos, os cânceres são mais comuns e, às vezes, a anemia é o primeiro sintoma disso. Você pode ter algum sangramento pelo estômago e falar, mas eu não vi esse sangramento, porque esse sangramento é aos poucos, em pequenas quantidades e você não vai ver sangue misturado. Sangramento de intestino que no dia a dia você não percebe, pode ser uma lesão inicial que, se abordamos rapidamente, a nossa chance de cura é muito maior. Agora, se você deixa esse problema evoluir e não faz uma investigação, é muito mais difícil de tratar. Ainda que seja uma falta de ferro, mesmo que seja no paciente adulto e idoso, uma das coisas mais importantes é fazer endoscopia, colonoscopia, investigar se não tem uma neoplasia e assim por diante. A gente cura o paciente com um diagnóstico precoce. 

Temos aqui o caso de um ouvinte que fez tratamento de anemia com o clínico geral para repor ferro e a situação permaneceu igual quando repetiu os exames. Isso é comum?

Na prática vemos muito isso. Primeiro é importante identificar se realmente é uma anemia por falta de ferro. Sendo por falta de ferro, precisamos entender onde está a falta do ferro. Se a pessoa não tem uma dieta adequada ou ela tem uma dieta adequada e tem alguma questão do estômago que não permite que absorva esse ferro, ou ainda que absorva, ela tem uma grande perda que a gente não dá conta. Por mais que faça reposição, a perda é ainda maior, fica desbalanceado. Se for uma mulher jovem, por exemplo, uma das principais causas é o sangramento menstrual. O sangramento menstrual em grande volume faz com a gente perca os estoques de ferro. A reposição é lenta. Tem que ser feita em doses adequadas, de forma correta. Então, não é que o tratamento não funcionou, mas talvez o médico não tenha ido ainda na causa de base. Se é um sangramento excessivo, geralmente nós vemos junto com o ginecologista maneiras de identificar o porquê desse sangramento excessivo e corrigir a causa. A reposição de ferro entra como uma parte do tratamento, mas a gente tem sempre que ir em busca da causa, senão nunca vai resolver. Importante saber também que mesmo que a causa da anemia seja resolvida, o tratamento com ferro oral é de 3 a 6 meses, é um tratamento prolongado e precisa de boa adesão. São meses para repor os estoques perdidos. Se a gente não resolver a causa, fica realmente inviável corrigir. Por isso que a avaliação é bem ampla.

Alguns idosos usam muitos medicamentos. Isso pode interferir no sangue. Tem algum atendimento diferenciado para esse paciente?

Isso é bem comum. Muitos idosos tomam diversas medicações e às vezes até a própria medicação causa anemia. Tem algumas medicações que alteram a produção do sangue. Temos que ver de forma personalizada qual a melhor maneira de corrigir e qual a melhor via. Tem casos que fazemos reposição por comprimidos, tem casos que precisa ser na veia.

Podemos dizer que a anemia no idosos é de difícil diagnóstico?

O diagnóstico de anemia é bem acessível e rápido. No próprio hemograma, que é muito simples, você vai saber a anemia. Já nos valores de hemoglobina dá para saber se tem anemia ou não. A parte mais complexa é avaliar a causa. O diagnóstico pode ser feito pelo médico generalista, pelo médico da UBS, pelo clínico e muitos outros especialistas que encaminham para nós. Geralmente a anemia é identificada em exames de rotina.

Quais alimentos podem ajudar?

A primeira orientação é se alimentar de forma equilibrada e saudável. Sabemos que há alimentos mais ricos em ferro, mas precisamos saber se é a necessidade daquele paciente. Uma coisa comum na nossa prática é o paciente com baixa ingesta de proteína animal ou vegetariano e daí tem a questão da deficiência de outra vitamina, que é a B12, que pode ser reposta. Cada caso é um caso. Quando temos a deficiência de ferro realmente, dificilmente vamos corrigir somente com a alimentação. A alimentação é uma parte do tratamento.

Minha mãe sofreu por muito tempo com anemia até descobrir que sofria de mielodisplasia, infelizmente vindo a falecer.

A mielodisplasia é uma situação mais rara que tem que fazer uma avaliação medular completa para chegar ao diagnóstico. A mensagem principal é que não é para uma anemia, a não ser que seja uma coisa genética, uma coisa familiar, ficar em pioras ao longo dos anos. Uma vez que a gente não melhorou, não respondeu ao tratamento, temos que passar por uma avaliação adequada para identificar a causa e talvez mudar esse tratamento.

É importante buscar as causas da anemia?

Exatamente. A anemia é um sinal de alerta, não é um diagnostico em si. Ou vamos buscar uma questão gástrica, ou intestinal, ou a menstruação que não está regulada e adequada, ou na própria medula, na fábrica do sangue, tem algum problema ou a gente tem alguma outra doença que está atrapalhando essa produção do sangue. Em tudo a gente pode agir, tentar tratar a causa de base e melhorar a anemia.

Quais são os principais sintomas da anemia nos idosos?

A anemia no idoso não é normal, apesar de ser muito comum. Nós vamos sempre buscar o motivo dessa anemia para então fazer um tratamento adequado e os sintomas às vezes parecem algo da idade, do esperado para aquele momento, mas não. O idoso, o adulto que começou a ficar mais cansado, antes tomava um banho sozinho, hoje já não tolera fazer coisas do dia a dia, fica mais sentado, mais deitado, mais desanimado. A pessoa fica mais pálida, tanto na face quanto nas mucosas. Todos esses sintomas passam por uma avaliação para vermos se os sintomas estão relacionados ao sangue. Às vezes é uma outra patologia, mas não é normal. Tem que investigar.

Março é o mês dedicado à conscientização sobre o mieloma. Esse tipo de câncer também é comum nos idosos?

O mieloma é a terceira neoplasia mais comum entre as doenças hematológicas. É um tipo de câncer. É uma doença da fábrica do sangue, de uma célula específica que chama plasmócito. Essa célula tem uma produção aumentada, uma produção anormal e isso pode dar diversos sinais e sintomas no exame físico e nos exames laboratoriais. Ele é uma doença mais comum do idoso. O risco aumenta conforme aumenta a idade, mas ele acomete muitos pacientes jovens também. É algo para todo mundo ficar atento. Um dos principais sintomas pode ser a anemia, mas também com doença óssea como uma fratura de vértebra, uma dor óssea muito importante, uma dor lombar, uma dor nas costas de muito forte intensidade que não era o seu habitual. Pode ter alteração nos rins, às vezes se manifesta com a urina com muita espuma, como se tivesse jogado detergente no vaso, uma urina muito espumosa que não ocorria com você. Isso chama a atenção para uma avaliação. Além do cansaço, pode haver infecções associadas porque o plasmócito produz os nossos anticorpos e a gente pode ter alteração na defesa. Então, vá procurar uma avaliação. É uma doença que dá muito sintoma e pode dar muita sequela, mas que diagnosticada precocemente, apesar de não ser curável, a gente tem muito sucesso. Tem muito tratamento hoje em dia.

A anemia é o primeiro sinal da leucemia?

Isso é uma dúvida muito frequente. Se a anemia vai virar leucemia ou se toda anemia é leucemia. A leucemia é um tipo de câncer também da medula óssea, que tem uma falha geral da produção do sangue. A nossa fábrica do sangue fica cheia de células da leucemia e já não consegue produzir um sangue normal. Então, o paciente vai ter anemia, mas junto com isso ele tem diversos outros sintomas, como sangramentos, porque as plaquetas também não são produzidas, infecções, hematomas espontâneos pelo corpo junto com uma queixa de anemia importante e a leucemia aguda vem de uma forma muito rápida. É uma coisa de semanas a dias para se manifestar. Sim, a anemia faz parte da leucemia, mas não somente isso.

O Março Borgonha é uma campanha muito importante para a de conscientização sobre o mieloma e seus sintomas?

Com certeza. O diagnóstico precoce faz toda a diferença. O mieloma é uma doença que pode trazer muitos sintomas e até mesmo sequelas diante de uma perda de função do rim (há pacientes que vão para hemodiálise) e de fraturas vertebrais. Quando diagnosticado precocemente, temos mais de tratar e evitar sequelas. Não olhar para a nossa saúde ou demorar para investigar um sintoma que não é habitual, pode trazer prejuízo. Por isso, procure o médico precocemente diante de um sintoma.

Como é feito o diagnóstico do mieloma?

O diagnóstico é um pouco mais complexo. O paciente vai ter sinais e sintomas ou uma anemia importante que não é por falta de ferro, uma dor óssea, nas costas, uma dor no corpo muito forte, alterações do rim e algum desses exames acabam chamando atenção para fazermos a investigação adequada. São exames laboratoriais específicos, mas também temos que fazer a avaliação da medula óssea.

E dessa avaliação que muita gente tem medo, não é?

Em geral é um exame ambulatorial, que a gente faz com anestesia local muito tranquilamente. E ele é essencial para o diagnóstico, para mostrar essas células alteradas. A gente não vai conseguir saber só pelo exame de sangue e, por isso, a importância de procurar um hematologista que é capaz de fazer todos esses exames.

Uma vez diagnosticado, como se dá o tratamento?

Uma das primeiras coisas que avaliamos é o status do paciente. Pacientes mais idosos, em geral, não podem fazer o transplante autólogo de medula óssea. Em geral, todos começam com quimioterapia. Hoje em dia temos quimioterapias que são injeções, que são comprimidos. Não estamos pensando em quimioterapia do paciente ficar internado, com queda de cabelo. Em geral são quimioterapias que fazemos na clínica, no consultório e o paciente vai para casa. Toma remédios, toma comprimidos. A gente faz um conjunto dessas medicações. É bem possível de tratar e de controlar.

Muitas vezes as pessoas perdem a esperança, não querem procurar o médico, mas muitas pessoas vivem há anos com a doença, não é mesmo?

Eu sempre falo para os pacientes que a gente não vai ser separar mais. Ele vai ficar com a gente e ele vai passar anos tendo uma vida normal, anos sem fazer tratamento. Claro que a gente vai fazendo a monitorização com exames de sangue, de urina a cada três, quatro meses, conforme a necessidade do paciente, mas nós temos muitos tratamentos, muitas pesquisas, muitas possibilidades. Temos pacientes com mieloma há mais de 20 anos! Temos muitas possibilidades hoje em dia e ter um diagnóstico precoce faz toda a diferença.

O mieloma é hereditário?

Conforme a gente vai ficando mais velho, é mais comum de ocorrem mutações que levam uma célula a virar uma célula cancerígena. Por isso a doença é tão relacionada com a idade, mas não é genético. Não é porque o nosso pai, mãe ou irmão teve que nós teremos. Provavelmente foi algo que foi desenvolvido ao longo da vida.

É importante ficar atento aos sinais que o corpo dar e cuidar da saúde?

Tem que se conhecer. Eu sempre oriento meus pacientes a cuidar muito do estilo de vida, do sono, da dieta, fazer atividade física regular. Ainda que a gente passe em algum momento por alguma dificuldade e tenha que tratar uma doença como essa, é muito importante chegar bem para passar pelas coisas que teremos que passar, pelos tratamentos. Seja o que a gente tiver que passar, e todos passaremos em algum momento, é muito importante estarmos bem e saudáveis para passarmos por isso.


Veja todas as notícias
Compartilhe:

Assessoria de Comunicação

Vanessa Fernandes

(12) 99791-1233

va.fernandes@uol.com.br